ah e tal, o meu cão é que sabe
O meu cão é que sabe. A fase Iris, goo goo dolls, acabou definitivamente. Aproxima-se uma nova pessoa. Uma nova música… mais dançável.
O meu cão é que sabe. Estávamos a interagir, como sempre, quando ele se sai com uma expressão do género “Nós, os machos, não sabemos qual é o papel que nos cabe na sociedade actual”. Perguntei-lhe o porquê daquele devaneio, já que pensava que nessa espécie as coisas estavam bem hierarquizadas: os portadores de pila em menor número, mas em compensação com mais qualidade e poder. Pelos vistos estava enganado. As fêmeas já estão no mesmo patamar dos machos, em muitos aspectos. Chamou-lhe emancipação ele. Diz que no mundo dele as senhoras de quatro patas já têm, no papel, os mesmos direitos que os do seu sexo. Mas têm de provar o dobro. Diz que no quotidiano elas não precisam do género masculino para nada. Diz que elas já o descobriram.
Está a surgir uma subespécie nesse género do reino animal. Fêmeas que se dizem mais felizes sem os Machos. Fêmeas que usarão apenas, num futuro muito próximo, os homens como amparo sexual. Os espermatozóides serão gerados artificialmente ou recorrer-se-á à clonagem. Homens é que nada. “Mas qê’que se passa neste mundo pah”, diz-me ele com a sua pronúncia canina perfeita. Passou-se de um machismo ignorante para um feminismo delirante e não sabemos o que fazer para que esta revolução com mais danos que a industrial abrande. Agora não podemos comandar nem queremos ser comandados. Queremos partilhar essa tarefa. Queremos, de mãos dadas, atravessar as poças que aparecem nestes dias chuvosos. Elas já têm botas que não deixam entrar água. Elas já têm guarda-chuvas que combinam com a cor dos seus olhos. Elas já conduzem e deslocam-se sem se molharem. Então para quê que elas precisam de nós? Para serem felizes.
O meu cão é que sabe. O amor está tão banalizado que o seu telemóvel já tem um modelo que diz "também te amo"
O meu cão é que sabe. Já muitas fêmeas lhe passaram pela frente. Algumas marcaram, outras passaram mais rápido que uma Primavera na visão de uma senhora de 42 anos. Mas as que marcaram nunca se conseguiram impor. Nunca conseguiu dizer amo-te. Acho até que nunca disse um verdadeiro e sentido adoro-te, não por não haver a palavra adoro-te no cãozês, porque esta língua é até mais completa que o Português. Com um simples comportamento conseguem dizer “este território é meu, meu e só meu. Se quiseres partilho-o contigo. Casa-te comigo”. Se calhar acha que o adorar está num patamar que não existe na vida real, se calhar é tudo mais simples do que ele supõe. Mas é demasiado romântico. Acredita que as coisas têm de ser ditas aquando sentidas e nunca antes, nem depois. Acredita em momentos. Tem os seus momentos. Rápidos, com pouco sentido e muito complicados. Gosta deles quando acabam. Gosta de os recordar, gosta de saber que o fez bem mas sofre por antecedência. E o durante também não é propriamente agradável. Muitas coisas lhe passam pela cabeça nesses momentos. Não desfruta mas é mais forte do que ele.
Acredita no outro como um auxílio para a sua própria evolução. Visão egoísta, eu sei, mas até o compreendo. Os outros têm sempre de lhe dar alguma coisa, que não toques, que não saliva nem estímulos físicos que o façam sentir exausto no momento, e vazio no exacto momento a seguir. A companheira tem de o fazer ser melhor, o melhor se for possível. Isso nunca aconteceu. Normalmente não passa do mediano. Uma vez vislumbrou um Bom, mas mesmo assim não era o que queria. Desistiu. É adepto da máxima “mais vale só que mal acompanhado”, sendo que a companhia nem sempre é má, apenas aparece num mau momento, numa má altura ou simplesmente a companheira escolheu um mau companheiro para a acompanhar nessa coisa chamada vida, que muitos dizem sem companhia não fazer sentido.
Sabe usar as palavras no momento exacto. Não vou dizer que é emocionalmente inteligente, porque não o é, não sabe, mas gosta do jogo do rato e do gato. Gosta de fazer feliz com as palavras. Consegue-o. Gosta de jogos de palavras. Tenta ganha-los a todo o custo. A todo o custo não, às vezes perde-os e fica contente. Supostamente a estes jogos deveria seguir-se algum contacto, mas normalmente fica um clima constrangedor, seguido de um boa-noite, isto tudo na língua de quatro patas. Mas porquê? Tantas frases para se usar e obter resultados, tanto para se puder transmitir e viver feliz para (quase) todo o sempre e ninguém a quem o queira transmitir. Será um apaixonado do papel?
“Obrigado por mais um bom dia... Saber-te aí.” Que desperdício.
O meu cão é que sabe. Para além de comer a sua dose diária de ração, de ter direito a algumas guloseimas e de dormir que nem um cão, literalmente, ainda sorri, corre, recebe mimos, tem amores correspondidos, amores incompreendidos e faz sofrer por amor. Gosta de séries para mulheres. Gosta delas, das mulheres e sonha com um relacionamento apaixonado, equilibrado e cor-de-rosa, sete vezes mais rápido que os do seu dono. É esquivo, é solitário e companheiro. É meigo, teimoso e assertivo. Às vezes é um rafeiro abandonado. Outras vezes um adoptado estimado mas nunca deixa de ser ele próprio. Mesmo que chova, mesmo que faça frio, mesmo quando os cães têm o dobro do tamanho e pêlo comprido, ele não desiste do que acredita e mantém-se fiel ao dono, aos amigos e a ele próprio. Eu gosto do meu cão. Vocês merecem que eu o partilhe.